Quando eu for grande, quero ser autarca durante um porradão de mandatos seguidos, de preferência num local bem bonito junto ao mar, para poder fumar charutos e cigarrilhas com uma pele bem bronzeada todo o ano. Mais tarde, quando eu for astuto o suficiente para passar pelos buracos do sistema, conhecer as pessoas certas e souber gerir um digníssimo império de tráfico de influências, até nem me importo de ser considerado culpado por fraude fiscal e branqueamento de capitais.
A FPC (faculdade prisional da Carregueira) forma cidadãos para o futuro, transforma pilantras em gente honesta e veicula ao recluso uma série de valências que lhe permitem ver o mundo com outros olhos. Eles apostam numa formação inclusiva e ampla. Ao que parece fazem um trabalho de regeneração muito jeitoso. Aquilo deve funcionar como uma espécie de retiro espiritual, assim como quem vai para um mosteiro brincar aos monges.
Consciência ecológica – o homem sai da prisão e não se esquece de levar o seu saquinho do lixo para despejar.
Consciência pedagógica – Isaltino Morais acredita que a sua experiência deve ser tida como um exemplo de conversão. Sente-se motivado para escrever um livro contando as suas vivências “até por motivos pedagógicos”.
Alinhamento dos shakras – a solidão e o silêncio foram progressivamente convertidos em fontes de reflexão e paz interior. Hoje sente-se um homem mais sereno. Confessa até ter visto a forma da Virgem Maria numa fatia de queijo flamengo.
Fortalecimento das amizades – além dos 4 estudantes com quem partilhou quarto, amigou, com frequência, com outro reputadíssimo pilantra, um tal de Vale e Azevedo. Esta é uma faculdade elitista.
Desenvolvimento da literacia – o homem leu e escreveu milhares de cartas. Acredito que ele hoje seja um homem mais apto para interpretar um texto, dividir bem as ideias em parágrafos e identificar as funções sintáticas de uma frase.
Consciência da realidade – ao longo dos 14 meses de cativeiro, manteve-se a par do que se passava cá fora. Lia as notícias todos os dias e está convencido que tudo se mantém na mesma. Acredita que “um dos grandes problemas do nosso país é a ausência de projetos”. Tens razão, Isaltino. Isto está mesmo tudo na mesma que é como quem diz “não hás de ter feito uma asneira assim tão grande”.
Mente sã, corpo são – a perda de peso é mais do que evidente, mas só é possível à custa de muito exercício físico. Os estudantes são também motivados a frequentar assiduamente o ginásio local. Isaltino foi igualmente capitão da equipa de andebol e fazia parelha todas as tardes na sueca com o Carlos Cruz.